Recentemente, li uma entrevista a um reconhecido compositor de música litúrgica. Porque também tenho um interesse particular nesta temática, fiz um esforço por perceber o que estará nas entrelinhas das palavras do entrevistado e, sobretudo, a postura que a hierarquia da Igreja tem neste particular.
A certa altura o entrevistado enumera alguns dos instrumentos que, no seu entender e no entender de especialistas, como ele, em canto litúrgico, são os mais apropriados. Também dá exemplos de outros que, à partida, devem ser rejeitados. Percebi, então, que a categorização obedece a uma lógica rítmica. Ou seja, os instrumentos musicais a evitar são, na sua maioria, instrumentos que, formalmente, marcam o ritmo e a cadência da interpretação. Concretamente, refere a guitarra eléctrica e bateria.
Independentemente das razões que subjazem a esta opinião, há uma coisa que me faz confusão. A Igreja e os seus momentos celebrativos são, consabidamente, marcados pelo ritmo. Não raras vezes, em formações e conferências feitas nesse contexto, há importantes alusões ao ritmo:
- o ritmo divino que, como ilustra o Génesis, obedece a uma cadência própria;
- o ritmo do Espírito que, não por acaso, encontra um paralelismo com o movimento da respiração no inspirar/expirar;
- o ritmo do coração que bate compassadamente (e que serve de bitola para os andamentos musicais);
- o ritmo da vida, nas suas diversas fases;
- o ritmo litúrgico que tem a sua génese no ritmo da vida e da própria natureza.
Enfim, o tema do ritmo é omnipresente em qualquer discussão teológica.
Isto leva-me a concluir que, no mínimo, existe alguma incoerência entre o que se “prega” e o que se “pratica”. A práxis e o logos não parecem ter a consonância devida.
Pergunto para mim mesmo: se o ritmo ajuda a marcar o compasso dos participantes na assembleia, não faria sentido dar mais importância à presença de instrumentos rítmicos na celebração religiosa?
Post scriptum: a questão da sensibilidade interpretativa ficará para outras núpcias…